Fiscalidade e Contabilidade
Trabalhar fora de Portugal: tudo o que deve ter em conta
por Helena Sousa | 26 Outubro, 2022
Existe mais do que uma forma de trabalhar fora de Portugal, sendo que a mais extrema é literalmente mudar-se ou abrir uma empresa no estrangeiro, caso em que terá de se reger pelas regras do país de destino. Quando trabalha para fora, mas mantém a sua residência, sede ou direção efetiva em Portugal, há algumas questões específicas a ter em conta, as quais exploramos neste artigo.
O que ter em conta ao trabalhar fora de Portugal sendo particular ou empresa
Quando reside em Portugal e trabalha (ou a sua empresa trabalha) para o estrangeiro, terá dois países aos quais declarar os rendimentos que receber dessa atividade e é importante que saiba com o que contar para não pagar impostos a mais ou a menos.
No caso dos particulares, são exemplos de trabalhadores que recebem rendimentos fora enquanto residem em Portugal:
- os que trabalham noutro país (trabalhadores transfronteiriços);
- os que estão destacados no estrangeiro por um curto período de tempo;
- os que estão a viver e a procurar trabalho no estrangeiro e transferiram as prestações de desemprego do seu país de origem;
- os que recebem uma pensão proveniente de outro país.
No caso das empresas, consideram-se rendimentos obtidos fora de Portugal por empresas com sede ou direção efetiva no país os obtidos em prestações de serviços cuja localização seja considerada fora do território nacional.
Tributação dos rendimentos
Quando trabalha fora de Portugal e obtém lá rendimentos, mas mantém a sua residência no país, terá de declarar cá esses rendimentos para que o Estado português possa fazer o cálculo correto dos impostos aplicáveis.
Tal obrigação, para as empresas, vem estabelecida no artigo 4.º do Código do IRC (CIRC), que explicita que “relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”.
De igual modo, o mesmo artigo também especifica que as “que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos”.
Para as pessoas singulares, o artigo 15.º do Código do IRS (CIRS) estabelece a mesma regra: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território” e “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
As últimas partes também se aplicam noutros países relativamente aos rendimentos obtidos por residentes em Portugal que obtêm rendimentos lá, o que pode dar lugar a dupla tributação.
Localização das operações
Como referido, são considerados obtidos fora de Portugal os rendimentos obtidos de prestações de serviços que se considerem localizadas fora do território nacional, ou seja, as que:
- tenham sido prestadas fora do território nacional;
- digam respeito a bens situados fora do território nacional;
- não estejam relacionadas com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, contabilidade, auditoria, consultoria, organização ou I&D.
Dupla tributação internacional
A dupla tributação surge da necessidade de declarar os rendimentos obtidos em dois locais: o país de destino, que tributa os rendimentos obtidos dentro do seu território, e o país no qual a pessoa ou a empresa reside ou tem sede ou direção efetiva, que tributa todos os rendimentos obtidos pelos seus residentes, podendo por esse facto os rendimentos serem sujeitos a imposto duas vezes.
No país onde os rendimentos são obtidos, estes são tributados por retenção na fonte a título definitivo por parte do adquirente e em Portugal são declarados nas respetivas declarações de IRS (pessoas singulares) e de IRC (pessoas coletivas).
Convenções para evitar a dupla tributação
De modo a evitar que os rendimentos dos sujeitos passivos fossem alvo de tributação duplicada, vários países, incluindo Portugal, celebraram acordos bilaterais, as convenções para evitar a dupla tributação (CDT), que eliminam uma das tributações a que os rendimentos seriam sujeitos. À data, Portugal tem acordos celebrados com 81 países.
O efeito destes acordos traduz-se no facto de o imposto retido no país do adquirente ser abatido ao imposto apurado em Portugal, sendo este pago segundo a taxa superior, o que também significa que, quando os rendimentos sejam isentos em Portugal, aplica-se a tributação do país terceiro.
E quando não há convenções de dupla tributação?
Quando não existam CDT entre Portugal e o país onde reside o adquirente, no caso das empresas aplica-se o disposto no artigo 91.º do CIRC, ou seja, há lugar a crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, correspondendo este crédito ao menor dos dois valores entre o imposto pago no estrangeiro e a fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que possam ser tributados no país em causa.
No caso das pessoas singulares, aplica-se a mesma regra, com as devidas adaptações, segundo o artigo 81.º do CIRS.
Destacamento de trabalhadores para o estrangeiro
A sua empresa pode destacar trabalhadores para trabalharem fora de Portugal, tendo de cumprir a legislação na matéria, caso, existindo uma relação de trabalho entre a empresa e o trabalhador:
- celebre um contrato com parceiros comerciais de outro país da UE e precise de enviar pessoal para trabalhar nesse país durante um período limitado para efeitos de prestação de serviços;
- envie trabalhadores para outra empresa sua situada noutro país da UE.
Durante o período em que estão destacados, tem de garantir aos trabalhadores condições de trabalho iguais às em vigor no país do destacamento, por exemplo, no que respeita a remuneração, períodos de descanso, tempos de trabalho ou férias. Se as condições de trabalho no seu país de residência forem mais favoráveis aos trabalhadores, deve assegurar a aplicação dessas condições.
Trabalhar fora de Portugal se for trabalhador independente
Se for trabalhador independente, pode “destacar-se a si próprio” se pretender trabalhar noutro país por um período de apenas alguns meses – este é inclusivamente o conselho do site Your Europe da União Europeia. Deste modo, terá na mesma a sujeição à dupla tributação, mas tal permitir-lhe-á manter a proteção do sistema de segurança social no seu país.
Para isso, antes de sair do país, deve solicitar dois formulários:
- um formulário A1 à Segurança Social, que servirá de comprovativo de que o trabalhador e as pessoas a seu cargo continuam cobertas pelo sistema de segurança social do país de origem enquanto estiver no estrangeiro, durante um período máximo de 2 anos;
- um formulário S1 de inscrição para cobertura relativamente a cuidados de saúde, que lhe dará direito a cuidados de saúde para si e para a sua família durante a sua estadia e que deverá entregar à entidade responsável pela sua cobertura médica no país em causa.
Caso as suas deslocações sejam tão breves que não precisa de se instalar no país de destino, apenas necessita do Cartão Europeu de Seguro de Doença, que lhe permite receber assistência médica durante uma estada temporária num país da UE, Islândia, Liechtenstein, Noruega ou Suíça, sendo esta prestada através do sistema de segurança social desse país.
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